Você realmente sabe o que é bullying?
Desde que comecei a escrever como colunista, aqui no blog do Declev, que tenho vontade de abordar esse tema, tão falado hoje em dia. Não pretendo ficar teorizando a respeito, mas sim relatar algumas experiências, refletir e esclarecer alguns pontos. Vamos lá.
Achei um artigo muito claro, objetivo, completo e de fácil leitura na internet mesmo, em O que é Bullying?, onde foram listadas 21 perguntas e respostas sobre bullying. Vale à pena ler! Vou recorrer um pouco a essa matéria para este artigo (tudo que eu escrever em itálico, abaixo, será retirado dessa matéria citada).
“Bullying é uma situação que se caracteriza por agressões intencionais, verbais ou físicas, feitas de maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas. O termo bullying tem origem na palavra inglesa bully, que significa valentão, brigão. Mesmo sem uma denominação em português, é entendido como ameaça, tirania, opressão, intimidação, humilhação e maltrato.”
– “É uma das formas de violência que mais cresce no mundo”.
– Pode ocorrer em qualquer contexto social, como escolas, universidades, famílias, vizinhança e locais de trabalho. O que, à primeira vista, pode parecer um simples apelido inofensivo pode afetar emocional e fisicamente o alvo da ofensa.
– Além de um possível isolamento ou queda do rendimento escolar, crianças e adolescentes que passam por humilhações racistas, difamatórias ou separatistas podem apresentar doenças psicossomáticas e sofrer de algum tipo de trauma que influencie traços da personalidade. Em alguns casos extremos, o bullying chega a afetar o estado emocional do jovem de tal maneira que ele opte por soluções trágicas, como o suicídio.
– O bullying sempre existiu. No entanto, o primeiro a relacionar a palavra a um fenômeno foi Dan Olweus, professor da Universidade da Noruega, no fim da década de 1970. Ao estudar as tendências suicidas entre adolescentes, o pesquisador descobriu que a maioria desses jovens tinha sofrido algum tipo de ameaça e que, portanto, o bullying era um mal a combater.
Bem… A matéria segue explicando a diferença entre o que é ou não bullying, as diferenças entre o bullying praticado por meninas e meninos, dá sugestões sobre como a escola pode lidar com isso, etc. Mas, agora, vamos aos relatos.
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Quando criança, sofri muito bullying. Aliás, praticamente por toda a minha infância e parte da adolescência. Por quê? Porque eu era magérrima, muito alta, cabelos compridos e escorridos de tão lisos, dentuça, super tímida, “CDF”, meio desajeitada e ainda tinha uma pinta grande e peluda no meio da bochecha, de nascença. Tá bom ou querem mais?!
Dá pra imaginar que eu era um alvo perfeito! Um prato cheio. Riam de mim, ridicularizavam, imitavam, fofocavam, muitos se afastavam, faziam “cara feia”, davam inúmeros apelidos que me magoavam tremendamente – Olívia Palito, poste, garça… –, faziam musiquinhas que debochavam de mim e que me faziam chorar e a reação dos adultos era nenhuma. Na escola, os professores chegavam a rir, muitas vezes, das piadinhas, mesmo tentando disfarçar para que eu não visse (mas eu via!). No máximo mandavam os gozadores calarem a boca, mas sem muita convicção. Já a família, me dizia: “não liga não”, “seja superior” e outras pérolas deste tipo que também não ajudavam nada. Na verdade, ninguém levava a sério esse tipo de coisa naquele tempo e, por isso, não se fazia nada. E o resultado disso, no meu caso e de milhares de outras crianças que passaram pelo mesmo, foi ficar traumatizada. Cresci convicta de que tinha algo muito errado em mim, que eu deveria viver pedindo desculpas por existir, que eu era um “bicho esquisito”, que eu era muito feia, que ninguém gostava de mim (não me lembro de um único dia, na infância, em que não tenha chorado ou tido pesadelos por causa disso) e que eu nunca ia ter um namorado. Os adultos que me viam triste e queriam me consolar, muitas vezes pioravam a situação dizendo coisas tais como: “não fique assim não; pelo menos você é inteligente!”…
Doía ser alvo daquela covardia – o bullying psicológico é tão ou mais doloroso do que o que envolve agressões físicas também – e ver que, mesmo quem parecia não concordar, se calava, se omitia, tinha medo ou, pior ainda, contribuía rindo e inflando o ego daqueles gozadores cruéis.
Certa vez, uma colega mais velha me “ensinou” um “jeito sexy” de andar, me convencendo de que assim os meninos iam gostar de mim. Ingenuamente acreditei e passei a andar rebolando, como ela ensinou, por semanas, até que vi que riam às gargalhadas pelas minhas costas quando eu fazia isso, inclusive ela, que havia “armado” aquela maldade toda. Resultado: me encolhi mais ainda, ficando mais tímida do que nunca.
Só vim a superar minha timidez com quase 30 anos de idade, depois de muita terapia, só pra vocês terem uma idéia!
Conto o meu caso aqui porque parece relativamente simples, mas justamente pra mostrar que, o que pode parecer pequeno ou bobo para o adulto, para a criança que está passando por aquilo NÃO É.
Bullying é coisa muito séria!!!
Apelidos só são engraçados se a pessoa apelidada estiver gostando do apelido, achando graça nele, etc. Senão é agressão, pura e simples.
O que passei marcou a minha vida pessoal, afetiva e profissional. Até hoje ainda luto com fantasmas desse passado.
Como psicóloga, acompanhei inúmeros casos de pessoas – jovens e adultos – extremamente traumatizados pelo bullying que sofreram na escola. Alguns ficaram com um nítido atraso emocional e mental, outros encolheram-se totalmente na vida, outros adoeceram psicossomaticamente, outros revoltaram-se e passaram a ser agressivos, muitas vezes repetindo comportamentos dos quais tinham sido vítimas, só que agora contra os outros… Algumas coisas em comum entre todos eles eram: baixa auto-estima, desconfiança total em relação aos outros (enorme dificuldade de confiar em alguém e ser “sacaneado” de novo), mágoas profundas, insegurança, etc. Tudo muito sofrido e anos de terapia para melhorar.
É muito importante que esse assunto seja realmente trabalhado na escola, por todos os profissionais de educação. Lutar contra o bullying é uma das formas de se lutar pelo respeito às diferenças individuais e de grupos! Nem todos que sofreram bullying conseguem dar a volta por cima, muitos acabam até suicidando-se e, por tudo isso, é absolutamente necessário que se pare uma aula quando estiver acontecendo uma situação de bullying e se repreenda os “valentões” e se debata o assunto, informe, reflita, enfim… Nessa hora, nenhum conteúdo programático é mais importante do que o que está acontecendo ali, nas vistas do professor, do diretor ou do pedagogo, seja dentro da sala de aula, no recreio ou no entorno da escola. Não é exagero dizer que vidas poderão ser salvas assim!!!
É importante informar os pais, dar palestras sobre o assunto, falar nas reuniões de responsáveis (aos pais, avós…) e ouvir a todos sobre isso, mostrar que devem ter o mesmo cuidado em casa ao educar seus filhos ou netos, enfim, é um trabalho árduo, mas diretamente relacionado, inclusive, ao desempenho do aluno na escola.
No meu caso, fui a 1ª da turma a vida inteira. Por um lado, foi uma fuga, como era ler o dia inteiro também. Afinal, cada criança ou adolescente encontra a sua forma de lidar com o que está acontecendo, para sobreviver. As que não conseguem, como já citei, acabam tornando-se elas mesmas os futuros valentões ou, no outro lado da mesma moeda, acabam se matando, de um jeito ou de outro (quantas pessoas vivem com medo, sem brilho nos olhos, aceitando todo o tipo de humilhação, como se merecessem???… são muitas!!!!!).
Tive paciente que ficou anos sem sair de casa sozinho, outros que não conseguiam ter uma vida amorosa sadia ou um bom emprego, pois não se achavam merecedores, outros sempre na defensiva, agressivos, pois já tinham sido muito agredidos em etapas da vida em que ainda estavam formando sua personalidade básica, enfim…
Não posso entrar em mais detalhes sobre os pacientes, mas posso citar muitos casos com alunos, que também acompanhei: os mais negros sendo chamados de “macacos” pelos mulatos, os mais agitados sendo tachados de “malucos” pelos colegas e pelos adultos da escola, muitos sendo chamados de “burros, idiotas, retardados, feios, horrorosos, cagões, viados, sapatões”, etc. Uma violência imensa, que vai (de)formando a personalidade dessas crianças e jovens desde cedo. Uma covardia!
Tantos alunos vinham chorar e desabafar comigo sobre essas situações, que não eram situações de exceção e sim as mais comuns – pasmem! – no cotidiano escolar. Sentia a tristeza e a dor deles como se fossem em mim… Entrava nas turmas, dava broncas, conversava com todos, procurava fazê-los refletir, chamava alguns para conversar individualmente também, conversava com os professores, diretor, colegas pedagogos… Mas tudo sempre parecia pouco.
E ainda se espalha, cada dia mais, o bullying pela internet!!!
Muitas famílias de nossos alunos só reforçam o bullying em casa, também ridicularizando e xingando esses meninos e meninas. Muitos dos valentões da escola são crianças ou adolescentes que estão acostumados a serem agredidos, física e/ou emocionalmente em casa e descontam nos colegas de escola. E aí fica mais difícil ainda pra nós, educadores, darmos conta totalmente desse quadro perverso.
TODOS – crianças, jovens e adultos -, precisam ser educados sobre isso e não é nada fácil!
Encaminhar a psicólogos casos de bullying pode ajudar, claro, mas não é o suficiente se a forma da escola e das famílias lidarem com isso não mudar! De qualquer maneira, o psicólogo pode ajudar aquela pessoinha a ir construindo um espaço de força e restauração dentro dela, para não sucumbir a todo esse absurdo.
Se você, que está lendo este artigo, sofreu com o bullying ou conhece quem sofreu, participe, conte a sua história (omitindo nomes, para não expor as pessoas, claro), para que possamos conscientizar cada vez mais gente e, dessa forma, possamos colaborar com uma mudança de mentalidade e de comportamento de TODOS os envolvidos no processo escolar.
Repito o que já disse em outros artigos: nosso papel é EDUCAR corações e mentes e não só passar conteúdos, muitas vezes chatíssimos e ultrapassados.
Abraços…
Regina Milone
Pedagoga, Arteterapeuta e Psicóloga
Rio, 15/11/2012
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Lindo, chocante e corajoso relato, Regina.
Li pasmo e, realmente, me fez parar em pensar em situações que acontecem no dia a dia da escola mas que eu, cansado, muitas vezes deixo passar…
Abraços,
Que bom que gostou, Declev!
Já estou eu dando a cara a tapa de novo, né?!… Mas prefiro assim. Acho que depoimentos e relatos tornam certos assuntos mais próximos, humanos, compreensíveis e identificáveis do que falar só teoricamente. Por isso me expus.
Entendo que você deixe muita coisa passar por estar cansado. Isso acontece também com pais que trabalham muito e/ou tem muitos filhos. Mas é importante redobrarmos os esforços para ver, com sensibilidade, o que acontece e, assim, ao menos tentar prevenir tantas dores que vem daí…
Obrigada por comentar!! (sinto falta dos seus comentários).
Beijão,
Regina.
A palavra Bullying. já é uma forma de bullying, desculpe não me conter, entendo a nossa adoção ao termo característico a bullying que nos acompanha profissionalmente. Também fui vitima, ainda mais sendo educador, dócil, tranquilo, desde criança sempre inocente e as duras penas aprendendo a endurecer a cada dia. Hoje me emocionei muito com o relato de uma educadora (que foi minha educanda, ela é só profissional, se eu dizer que ela é educadora, talvez até se ofenda), ela foi minha aluna, e falou muito sobre como eu era um bom professor, pois bem, eu era um péssimo professor na disciplina que lecionava, mas sempre fui muito bom educador, eu me expremi em todas as disciplinas para dar conta do conteúdo, esse foi esquecido, foi deixado pra trás provavelmente pela sua ausência de valor prático na vida dessa educadora e hoje uma profissional de outra área. O que me incomoda muito é que o educador profissional da área de educação, insiste em dizer que ele ensina, tenho bradado constantemente que educar é nosso papel utilizando para isso o saber socialmente construído. Ele é importante, mas o mais importante é evitarmos o bullying, evitarmos a humilhação recorrente que já incrustrou na cabeça dos mais pequeninos, onde eles já trazem em si enquanto homens e da relação familiar a lógica do mais forte predominante. É, na escola ocorre a distinção das classes e categorias, e assim começa a se desenhar a sociedade, o dentuço, o orelhudo, o magrelo, o gordo, o feio e o bonito. Um mosaico lindo de pessoas que aprendem infelizmente a se odiar, e que muitas vezes nós os educadores que deveríamos estar atentos deixamos pra trás com algo desimportante. Hora, desimportante é deixar que alguém cresça com a idéia de que é inferior. A história da regina, seria perfeitamente substituível pela minha, todos sofremos bullying, até o lindão da escola que de tão lindão, acaba se convencendo disso e depois se torna um brucutu que bate na esposa, que acha que o mundo está a seu serviço porque ele é belo. Sinto que o educador tem que refletir pra sempre seu papel social dentro da sociedade, sem isso, vamos continuar repetindo o padrão estabelecido, e depois de aposentados vamos continuar dizendo, a educação está perdida, e vai estar, mesmo quando todos se aposentar. Está dado, exceto que um raio caia na nossa cabeça e torre a gente! Parabéns Regina é um excelente artigo! Vou recomendar!
Escrevi emocionado e não revisei! Agora que li vi as ausências, mas a mensagem está dada!
Obrigada, Sidiney!!!
O bullying é comum demais realmente… E infelizmente!
Vc, como eu e tantos outros, passou por isso e viu outros passarem. E é como vc escreveu: uma diversidade linda de pessoas aprendendo a se odiar desde cedo (comigo o bullying começou quando eu tinha uns 4 anos de idade apenas…), como se só existisse um padrão de beleza, de inteligência, de perspicácia ou seja lá do que mais for!
Obrigada pela participação, meu amigo educador!!!! Também acho que a educação tem que se focar mais em conteúdos como esse do que em quilos de matérias descartáveis dentro de disciplinas que, ensinadas assim, tão fragmentadamente, acabam não mostrando o seu valor para a vida. É preciso reformular currículos, corações e mentes!
Grande abraço…
Também não sou simpática a esta denominação Bullyng. Não é de hoje como você mesma narrou Regina que essas situações de violência físicas e psicológicas ocorrem na Escola. E o que é pior, além da omissão, não raras vezes contam com o reforço irresponsáveis – de forma consciente ou não – que deveriam combater antes de qualquer tipo de opinião, crença ou bagagem pessoal. Também, como você, sofri muito com alguns de meus colegas na escola. Apelidos, chacotas, desprezos, toda sorte de discriminação e violência psicológica e simbólica por não corresponder aos padrões delimitados pelo grupo. As consequências respingam até hoje em vários aspectos da minha vida. Superar, é uma saída, mas sei que não se apaga. Hoje como educadora atuando na Educação Infantil fico pasma, absmada por vivenciar determinadas situações em sala, no pátio, seja lá onde for em meu ambiente escolar. O que me apavora, é a pouca idade dessas crianças. Exatamente por se tratar da 1ª infância. Às vezes me sinto fraca, sem forças, desanimada. Como se estivesse no escuro. Sem saber que método, que tipo de intervenção ou prática adotar. Como se todo um trabalho acerca do respeito à diversidade caísse por terra abaixo. Não deixo passar em branco, isso não. Mas as famílias, a questão da educação de base tem tudo a ver com isso. Crianças não nascem sabendo o que é bichinha, não nascem rindo de gordo. Hoje mais do que ontem sei que se aprende mais com os exemplos do que com palavras. E aí me vêm logo na ideia os programas de tv e penso, nosso trabalho não é fácil, é como remar contra a maré. Belo tema. Excelente artigo. Abç.
Que bom que gostou do texto, Ana Mattos!
E obrigada por seu depoimento!! Sei bem como exige coragem se expor assim.
Uma das coisas que aprendi é que a maldade faz parte do ser humano. De cada um. Mesmo na infância. Por isso viver apontando o dedo só pra fora, achando que a “culpa” é sempre do outro, só piora a compreensão de qualquer situação, grupo ou indivíduo.
Também fico muito triste, como percebi que vc fica, ao ver crianças ainda tão pequenas reproduzindo situações de bullying. Mas sabemos que, nessa idade, elas principalmente imitam o que vêem fora, no caso dos próprios pais, família, escola no geral, TV, etc. Querem agradar, estão começando a formar sua identidade e repetem, pois observam que o mundo “funciona” assim ao redor delas e que, muitas vezes, serão até aplaudidas por agirem como espertas (debochadas?) e agressivas (covardes?). Junte a isso aquele aspecto de crueldade que está em todo ser humano, como citei antes, e a criança pequena estará “pronta” para continuar esse tipo de violência que já existe há tanto tempo (minha mãe, de 75 anos, conta muitas histórias do bullying que ela também sofria, assim como minha avó! E isso só pra dar 2 exemplos…).
Mas acho que precisamos insistir em trabalhar valores, uma cultura de paz, humanitária, onde um se importa com o outro até porque formamos uma imensa rede e o que afeta um acaba afetando todo o planeta. Vemos isso hoje em relação ao meio-ambiente, mas é uma verdade que não se aplica só à essa área, na minha opinião.
Precisamos trabalhar sim o respeito à diversidade, à pluralidade cultural, enfim… Por mais difícil que seja realmente estar remando contra a maré na maioria das vezes!
Só acho que as escolas ainda são muito ingênuas ao abordar esse tema, desde a infância, como se fosse uma luta do Bem contra o Mal! Desse jeito continua fora. Porque o lado destrutivo e sádico está em cada ser humano e precisamos encarar isso de frente até pra podermos orientar nossas crianças e adolescentes sobre a importância do autoconhecimento, do autocontrole de determinadas emoções em determinados momentos, etc. Isso tinha que ser trabalhado JUNTO com o que já se faz, para não cairmos numa visão maniqueísta e simplista sobre o que gera e faz perdurar o bullying. A Psicologia ajudaria muitíssimo nisso, se fosse ensinada com mais profundidade em todas as formações de educadores, desde os Cursos Normais até os universitários.
Quanto a ficar marcada… Querida, eu te entendo. As feridas são profundas e as cicatrizes ficam mesmo. Torço pra que sirvam para podermos nos ajudar e ajudar melhor os outros em relação a essa questão tão comum, subestimada e sofrida.
Beijão pra vc,
Regina Milone.
Regina,
Queria saber a sua opinião nos casos em que insultos são “trocados”. Como você acha que deve ser a postura do professor em sala de aula?
E outra coisa: o que fazer quando o professor toma uma atitude, encaminha o caso para a coordenação da escola e nada acontece com o agressor? Pois as minhas experiências são todas neste sentido. Essas agressões são sempre tratadas como algo menos grave.
Oi, Luiz!
Se forem trocas de insultos, não podemos caracterizar como bullying e sim como brigas que devem sim ser comunicadas à coordenação como casos de indisciplina, desrespeito, etc., que conhecemos bem.
Mas, se for bullying, vc verá que normalmente a(s) vítima(s) do bullying se encolhe(m), não consegue(m) reagir, se cala(m), vai(ão) murchando um pouco mais a cada dia, começa(m) a pedir pra sair mais cedo por estar(em) passando mal, começa(m) a faltar muitas aulas, tenta(m) até dar aquela “risada amarela” quando o agressor faz aquelas “brincadeiras” de mau gosto, mas é visível que está(ão) incomodado(s) com aquilo, etc.
Para haver bullying é necessário que haja um aluno que agride, acompanhado ou não de um grupo (ativo – que agride junto – ou passivo – que fica rindo e, dessa forma, dá força para que as agressões continuem), e uma ou mais vítimas, que são repetidamente ridicularizadas, ameaçadas, humilhadas, etc.
Nesses casos, não conte só com a cooordenação. Infelizmente a ignorância ainda é muito grande e só se costuma considerar violência algo que já extrapolou, sem se levar em conta que houve uma história para aquilo chegar onde chegou.
Em escolas onde trabalhei, muitas vezes eu era a única a levar a sério essas situações. Em outras, tive a companhia de professores maravilhosos que percebiam o bullying e me procuravam para tentarmos juntos alguma coisa.
Muitas vezes descobri o bullying apenas observando bastante os alunos, individualmente e em grupo, especialmente no recreio e nos intervalos entre as aulas.
Não espere, Luiz. Faça alguma coisa você mesmo. Continue levando o caso para as pedagogas, direção da escola, famílias dos alunos, converse com todos esses, mas não pare por aí. Faça vc mesmo, em sala de aula, a diferença.
Uma sugestão é que vc pare a aula e converse com toda a turma a respeito, dando exemplos de situações como aquelas e de suas consequências nas vidas das pessoas, de preferência sem citar nomes num primeiro momento, pois isso pode enfurecer o(s) agressor(es) que, depois, acabará(ão) sendo mais violento(s) ainda com a(s) vítima(s). Aproveite a sua disciplina, que é riquíssima, e mostre como na História da humanidade houve milhões de casos de covardia como esses, de opressão X oprimidos, de ter prazer em ser cruel com o outro que parece mais fraco (Hitler e seus seguidores são um exemplo), etc. Mostre as guerras, disputas, intolerância e intransigência que vem daí, o mal que isso faz a todos e reforce, com eles, a ideia de que todos somos diferentes e que, se um é mais tímido ou ingênuo não significa que seja mais fraco ou “otário” ou qualquer coisa assim. Cite grandes personalidades da História, na política, nas artes e nas ciências, que foram ridicularizados em tantos momentos, considerados “burros”, “loucos”, etc., até alcançarem algum reconhecimento e reflita com eles sobre isso, mostrando que aquele que parece “bobo” pode ser, na verdade, o mais sensível, criativo e inteligente dali, precisando apenas de um pouco mais de confiança para desenvolver essas qualidades que já estão latentes. Leve casos reais, atuais e históricos, de personalidades importantes. Isso ajuda! Um exemplo famoso é o de Einstein, que era considerado lento, a própria escola dizia que ele nunca ia aprender, o chamavam de retardado e, no entanto, foi um dos maiores gênios da história da humanidade. Ele era disléxico; só isso. Não era inferior a ninguém.
Mostre, inclusive, que o importante não é provar, muito menos pela força física e pela covardia, que um é superior ao outro, pois TODOS os seres humanos tem forças e fragilidades, habilidades e dificuldades, só que em áreas diversas, o que nos leva a pensar que seria muito mais humano e inteligente que todos aprendessem a trabalhar juntos somando essas diferenças ao invés de querer provar quem é o melhor, o superior em tudo, coisa que, na verdade, não existe.
Trabalhe valores com eles, tais como o que é coragem e covardia, o que é força e fraqueza, etc. Mostre que existem diferentes tipos de inteligência. Passe filmes, abra debates, mas nunca force o(s) que tem sido vítima(s) a falar(em) em grupo e mesmo junto com o agressor e com vc apenas, fora dali, pois pra ele(s) isso seria uma exposição absurdamente dolorosa e provavelmente impossível. Procure conversar com a(s) vítima(s) individualmente, ajudando-a a ver suas qualidades, a se valorizar, se fortalecer emocionalmente, pedir ajuda quando precisar sem achar que isso é fraqueza (coloque-a(s) para te ajudar nas aulas, por exemplo), ouça bastante, fique junto mesmo em silêncio, no início, até que ela(s) tenha(m) confiança em vc, e por aí vai.
Acho Gandhi um outro ótimo exemplo a ser citado. Poderia ser considerado um “bobão” por esses agressores e, no entanto, foi um homem profundamente corajoso e coerente, conseguindo fazer muito por seu povo dessa forma.
Enfim, vc, como professor de História, com certeza conhece muito mais exemplos do que eu para citar para os alunos. Dê aulas sobre isso. Procure relacioná-las com o conteúdo daquela série, daquele ano. Mas aja! Não espere que os outros façam se é vc que está vendo e se os outros, na maioria das vezes, sabem pouco ou quase nada desse assunto.
Essa é minha sugestão.
E conte comigo nesses assuntos, sempre que precisar!
Abração,
Regina.
Ótimas sugestões, Regina.
Percebo, no entanto, a ausência de iniciativas voltadas a punição do agressor. Pela sua formação, você acha que é possível mudar as atitudes do “valentão” apenas pelo convencimento teórico? Não acha que paralelamente deve existir algum tipo de medida coerciva, até mesmo para a impunidade não estimular futuros agressores ou até mesmo revoltar as vítimas?
Abraços!
Depende do caso, Luiz.
Muitas vezes o que o valentão precisa é de conscientização. Precisa perder platéia, pois sem ela ele se inibe e acaba parando.
O valentão é fruto da mesma competitividade destrutiva que vivemos em nossa sociedade e que acaba levando aos eternos confrontos opressores X oprimidos. E, nesse caso, tem ao menos um aspecto sadio – mal direcionado, mas sadio – que é o de não querer ser oprimido e, por isso, vai pro polo oposto. Só que, na verdade, são dois lados da mesma moeda; um não existe sem o outro. E isso podemos mostrar pra eles.
Quanto a punições, não somos juízes nem promotores. E geralmente as escolas só usam dois tipos de punição: suspensão ou expulsão do aluno (não se usa a palavra expulsão, o que é uma hipocrisia, pois o fato é que ele é “convidado a mudar de escola”, o que dá no mesmo). Às vezes perdem pontos naquela matéria também, o que apode ser ainda pior.
Acho que é preciso ver cada caso para sabermos o que fazer. Muitas vezes, com todo o trabalho de conscientização que sugeri acima, o quadro já muda. Outras vezes, precisaremos entrar com algumas outras medidas sim, como, por exemplo, propor um trabalho em dupla onde agressor e o agredido tenham que trabalhar juntos e, depois, expor juntos para a turma (os dois teriam que falar nesse seminário, para que o agressor não se aproveitasse do outro para fazê-lo trabalhar sozinho, claro). Mas isso deveria ser feito em sala de aula, num primeiro momento, pro professor poder ter algum controle e observar o que pode estimular ali, ver se propõe outros trabalhos como esse depois para que eles possam ir aprendendo, aos poucos, a se conhecer melhor e trabalhar juntos ou se essa medida não serve para aquela dupla especificamente, etc.
Outras punições mais severas, só depois de tentar todas as formas possíveis e dialógicas, senão poderemos até estar sendo incoerentes e passando uma dupla mensagem: “não sejam covardes apelando sempre pra lei do (aparentemente) mais forte, pois senão nós é que agiremos como os mais fortes da história com vocês, agressores.” Vamos repetir com eles justamente o que estamos criticando neles??
Temos que lembrar que os agressores vem do mesmo meio que o agredido, mesma comunidade, na maioria das vezes. E, nesse ponto, por um lado, todos são vítimas.
Mas repito: cada caso é um caso. Não existem punições pré-estabelecidas para todos os valentões que praticam bullying, assim como as vítimas também não são todas iguais. Temos que ver com calma, caso por caso, para avaliar o que será melhor em termos educativos para os dois: o agressor e o agredido.
E o convencimento (prefiro o termo conscientização) não seria só teórico mas, como viria recheado de exemplos, filmes, músicas e o que mais o professor achasse útil para trabalhar o tema com a turma, poderia realmente trazer uma transformação prática, concreta, mesmo que viesse aos poucos, ao longo do ano letivo, já que esse é um assunto para ser trabalhado várias vezes durante o ano.
O agressor que acaba sozinho, sem platéia e sendo considerado covarde pelos outros, já estará tendo uma grande chance de se redimir. E isso não é teórico, não acha?
Espero ter ajudado um pouco.
Abração,
Regina Milone.
Pra dizer a verdade não tenho uma opinião definida sobre o tema, até porque me falta um maior embasamento teórico. Meus pensamentos são muito mais desdobramentos daquilo que eu vivi como aluno e minha experiência no magistério.
Concordo com você, Regina, sobretudo quando afirma que “o valentão é fruto da mesma competitividade destrutiva que vivemos em nossa sociedade e que acaba levando aos eternos confrontos opressores X oprimidos. E, nesse caso, tem ao menos um aspecto sadio – mal direcionado, mas sadio – que é o de não querer ser oprimido e, por isso, vai pro polo oposto.” Só continuo achando que as punições podem ser um caminho paralelo à conscientização. Não qualquer tipo de punição, lógico, mas uma postura mais rígida dependendo de cada caso. Mas, torno a dizer, é só uma opinião em formação, pois é um tema bem complexo e bem recentemente debatido nas escolas brasileiras.
Abraços!
Luiz,
Acredito que em alguns casos uma postura mais rígida possa ser necessária sim. Por isso mesmo disse que cada caso é um caso e tem que ser avaliado em suas particularidades.
Mas, em relação a punições, de maneira geral, não concordo com essa forma de educar – punições ou recompensas -, que é a mesma usada agora para se tentar avaliar os professores. Muitas injustiças acontecem assim, tanto em relação aos alunos quanto aos professores. Por mais que demande muito mais tempo e trabalho, ainda prefiro investir em conscientização, especialmente levando-se em conta que esses alunos ainda não são adultos, estão em formação e, por isso, temos mais chances de plantar reflexões e valores mais humanos neles do que em adultos (nas famílias deles, por exemplo), que já possuem uma maneira de ver a vida muito mais fechada e cristalizada.
Em geral, prefiro a flexibilidade, a firmeza e o diálogo, além dos trabalhos de pesquisa feitos individualmente ou em grupos, do que punições ou castigos (ou “recompensas pro que aprender (???) e mudar de atitude”) para educar aqueles que estão usando mal sua agressividade e os que estão sendo vítimas desses.
Um abraço,
Regina.