Roleta-Russa no cotidiano urbano

São tantas e tantas coisas que passam pela minha cabeça que me imobilizam.

Penso tanto que às vezes não faço nada.

As milhares de perguntas que me assolam ficam sem resposta, apesar deu me esforçar por encontrá-las.

Hoje estou vivo, mas vivo num estado de quase morte, visto que saímos, mas não sabemos se voltamos.

Saí de casa hoje para ir à casa do meu pai, vó, tia e primos (sim, tem bastante gente morando lá).

Pego o ônibus – como sabem, não dirijo – e sento no único local disponível, ao lado de um senhor insuspeito.

Aqui em Niterói, para quem não sabe, entramos por trás, pagamos ao cobrador, passamos pela roleta (nesta ordem) e saímos pela frente. O senhor, porém, levanta-se e dirige-se para traseira do ônibus. Pensei que ia pegar o troco ou coisa assim.

Uma senhora senta no lugar dele.

Pouco tempo depois vejo que alguém, no corredor, atrás de mim, fala com o senhor que está parado em pé ao meu lado.  “Dinheiro”, escuto ao fundo.

Passa na minha cabeça viajante – eu estava viajando em não lembro mais o quê – que o trocador (ou cobrador, se quiser) estava cobrando a passagem, que o passageiro pagou a menos.

Pobre ilusão de minha mente inocente…

Vejo o senhor em pé ao meu lado abrir a carteira, tirar todo o dinheiro de dentro – um bom bolo de notas – e entregar a alguém.

Viro pra trás e vejo uma arma de cano fino (sorte que não era grosso, senão não sei o que faria!) e o senhor insuspeito dizendo “dinheiro! só quero dinheiro!, vamos lá, me dá o dinheiro! Rápido!”. Arma apontada para meu lindo corpinho, que tanto adoro.

Eu estou com a mochila no colo. Abro-a com ele dizendo “rápido!”, pego uma bolsinha (meio guei né?) que uso com o dinheiro e a dou. A bolsinha guei está ao lado da minha carteira rechonchuda com todos os documentos e cartões, que ele, no desespero da pressa não vê. É o que eu digo: a pressa é inimiga da perfeição.

Ele fica puto, a joga na minha mochila dizendo que “quero dinheiro, quero dinheiro, cadê o dinheiro!!” e vai andando para frente do ônibus, de arma em punho.

Eu, solícito, digo que “é ali que eu guardo o dinheiro!”, abro a bolsinha e pego meus 4 reais – pensando que terá continuidade no processo -, mas ele já está descendo do ônibus.

Guardo minha bolsinha, fecho minha mochila.

Levou todo o dinheiro do homem. Uma mulher diz que levou 300 reais dela – não sei o que ela estaria fazendo com tanto dinheiro, mas tudo bem.

Fico e estou atônito.

37 anos de ônibus. Não foi a primeira vez, não sou virgem nisso, mas em todos os outros eu era, no máximo, adolescente – faz tempo… – e sem armas.

Vários conhecidos já me relataram coisas assim, mas ao vivo e a cores é diferente.

Penso que um dia estamos vivos, outro não. Poderia agora não estar mais escrevendo estas linhas.

Vivemos em uma eterna roleta-russa. 

Penso que sociedade é esta que estamos construindo(?).

Penso o que leva uma pessoa a pegar uma arma e retirar dos outros o que não lhe pertence.

Quiçá a vida.

Penso se haverá solução…

Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

8 thoughts on “Roleta-Russa no cotidiano urbano

  • Pingback: Declev via Rec6

  • 20/05/2008 em 21:53
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    Pois é… Então eu vou te contar uma que, até agora, eu não consegui por as idéias no lugar.

    Meu neto estava com uma cirurgia programada para esta 2ª feira passada, com meu urologista (e já amigo da família). No domingo (portanto, no mesmo dia em que você foi assaltado), chega uma telefonema da clínica, avisando que o médico não poderia realizar a operação… simplesmente, ele tinha ido à Clínica para visitar seus pacientes internados e dado alta a um. Quando saia da Clínica, a mulher que ia buscar o tal paciente entrou de marcha-à-ré de maneira tão estabanada que atropelou o médico (que morreu poucas horas após).

    Para morrer, o único pré-requisito é estar vivo… Chocante, porém verdadeiro.

    No seu caso, podia ser a troco de uns tantos “caraminguás”… E no caso do médico?…

    Sei lá!… A gente tem sonhos, projetos, aspirações, para a semana que vem, para o ano que vem, para quando se aposentar… e não sabe se, quando for à padaria da esquina, vai mesmo voltar para casa… Vade retro!

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  • 20/05/2008 em 21:55
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    Desculpe o “uma telefonema” que saiu na anterior… Eu já estava aparvalhado com a notícia do domingo, e leio isso no seu Blog… Mexe com os nervos!…

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  • 20/05/2008 em 22:01
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    Caraca! Eu li e reli isso no jornal, apavorado!

    Você conhecia o Senhor?!?

    Eu não acreditei até hoje que isso possa realmente ter ocorrido.

    São tantas perguntas… ela não olha pro retrovisor? Não ouviu os gritos e batidas na lataria? Se algo não deixa o carro passar ela não vê o que é? Quando vai estacionar um carro de ré, qual a velocidade que se coloca no veículo? etc.? etc.? etc.?

    É exatamente isso o que eu quis dizer: vivemos em uma roleta-russa.

    Nunca sabemos se a bala estará no ponto…

    E me preocupa muito o fato de estarmos banalizando tudo isso. É mais um. Amanhã serão outros tantos.

    Ainda insisto em ler o jornal, sabendo que ficarei deprimido depois.

    A ignorância é uma bênção.

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  • 20/05/2008 em 22:23
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    Como eu disse, Declev, o Dr. Válter Pereira da Silva Filho era meu urologista (me operou nessa mesma clínica no fim do ano passado). Morava na Ilha do Governador e cilinicava, alternadamente, na Enio Serra (em Laranjeiras) e na Tijuca, no Hospital Espanhol. Todos os dias, visitava seus pacientes internados (inclusive nos fins de semana).

    Segundo o pessoal da clínica, a mulher estava bastante alterada por conta das despesas que teve que pagar na ocasião da alta. O pessoal da clínica não se convence de que a desculpa que ela deu (“o aclerador travou…”) seja verdade. Eu não sei: não estava lá e prefiro achar que foi estabanamento, mesmo…

    O fato é que um médico dedicado, querido por seus colegas e pacientes, foi morto de uma maneira tão banal que não dá para acreditar…

    E, aí, vem você e me diz que ficou sob a mira de uma arma por conta de uns trocados…

    E a gente escreve Blogs, na esperança de que nossas idéias possam – quiçá?… – servir para alguma coisa de útil para alguém… Mas existe um mundo, infelizmente bem real, onde as idéias e ideais não têm qualquer valor… e a vida não vale nada: depende dos humores de gente que não tem discernimento suficiente para sair da chuva.

    Concordo em gênero, número, grau, caso e declinação: a ignorância é uma benção!…

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  • 29/10/2008 em 09:29
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    parabens,pelo seu trabalho,e muito bom saber que existe pesssoas como vc no mundo.
    uffa!assim ficom mais aliviada.
    ate a proxima.

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  • 29/10/2008 em 10:10
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    Muito obrigado Mariana,

    É muito bom ouvir isso… dá mais espernança pra gente e mais força pra fazer ainda mais.

    Volte sempre.

    Abraços.

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  • 21/11/2008 em 12:33
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    Nossa tantas historias
    esse site é muito bom
    sempre que me lembra eu
    entrarei nesse site

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