Garoto morre baleado dentro de sala de aula

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Garoto de 11 anos morre baleado dentro de sala de aula.

Essa notícia tem tantas referências com tantas coisas que escrevo, com tantas coisas que vivo, que me traz um turbilhão de emoções e sentimentos.

O acontecimento – morte por bala “perdida” – não é um caso isolado, mas ocorre muito mais do que imaginamos. É quase recorrente no Rio de Janeiro. Vivemos numa roleta-russa: sair de casa é não saber se volta…

Claro que sinto tristeza profunda pela criança, pela família, por nossa sociedade. Mas o fato de ter ocorrido isso dentro de uma sala de aula, é emblemático.

A tia falou:

“Ele morreu com o lápis na mão…”

Como se pode ensinar / aprender nessas condições? Como se pode viver nessas condições?

A secretaria de educação vai culpar as professoras pelo mal rendimento dos alunos daquela escola, como fazem sempre? Os gestores “esquecem” que isso tem a ver com os rendimentos dos alunos.

A polícia, por sua vez, obviamente culpa os traficantes.

Assim é fácil, a polícia entra atirando e quer que os traficantes não disparem um só tiro…

– Ô trafica, agente vamos entrar atirando, mas toma cuidado aí com o pessoal morador! Num dispara não!

Mas eu tenho um recado pra polícia: ô inteligência, o bandido é que é o bandido!

E se ele é o bandido, pra ele foda-se se alguém morre baleado pelo caminho. Então, polícia inteligente, ele vai atirar!!!

E, detalhe – acho que nunca falaram pra vocês – é a polícia que tem que tomar cuidado pra ninguém se atingido!!! Inclusive o bandido, que tem que ser preso, não morto!

Quem mora nesses lugares em guerra sabe que não é assim que a bala toca, ops!, que a banda toca. A polícia assassina não quer saber quem tá na frente.

E, não duvidem, essa bala – e todas as outras que já vimos se acharem – pode ter vindo de qualquer lado.

Só pro leitor ter uma ideia, eu já vi e vivi algumas vezes o fechamento da escola por ordem dos traficantes porque eles disseram que iria ter confusão na área! Não queriam que as pessoas ficassem circulando.

Sem comentários.

Acho que a melhor forma de acabar com a violência no Rio seria desarmar a polícia

Termino com duas frases, uma do aluno sobre o que é ruim no bairro onde morava:

“Os tiros, porque os tiros matam muita gente…”

E outra do pai, colocando os gestores em seus devidos lugares:

Eu fiz a minha parte, coloquei meu filho na escola… falta o governo fazer a parte dele.

Declev Reynier Dib-Ferreira
Professor ao alvo

Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

3 thoughts on “Garoto morre baleado dentro de sala de aula

  • 18/07/2010 em 14:38
    Permalink

    Caro Declev,
    Também fiquei muito triste com a notícia… Mas não surpresa, pois, como vc, conheço bem o dia a dia das comunidades com as quais trabalhamos no Rio (não só na capital).
    Todos os dias, nessas comunidades, morre alguém de forma violenta, seja tiro, espancamento, tortura, violência doméstica, “justiça” dos traficantes ou “justiça” da polícia… Morrem crianças, mulheres, homens, idosos… Morrem trabalhadores, alunos, professores, pais, mães, filhos, avós…
    Na 1ª escola onde estive em Caxias, uma professora havia morrido – tiro também – ao ir comprar pão numa pequena padaria próxima à escola. É claro que isso não foi noticiado, como a maioria dessas “mortes acidentais”!
    A maior parte dos alunos considerados “problemas” vêm desse ambiente, nas escolas públicas. Cresceram convivendo de muito perto com a violência, com a morte e com todo tipo de abuso. Eu sempre ficava sabendo em detalhes, por causa da minha profissão (Orientadora Educacional), dos tantos pais que foram torturados e mortos na frente dos seus filhos crianças ainda, das meninas e meninos que foram abusados sexualmente durante toda a infância e a adolescência por alguém da própria família, entre outros horrores.
    Vivendo em meio a tanta violência, de todos os tipos, como eles poderiam não apresentar problemas de aprendizagem e/ou comportamento na escola????????????
    A escola não é lugar seguro há muito tempo também!!! Alunos vendem drogas, muitas vezes entram armados, intimidando, assim como os milicianos que, lá na baixada fluminense, são recebidos como heróis! E cansei de ver as próprias mães e pais empurrando suas filhas pré-adolescentes pra esses “heróis”, pois poderiam ajudar financeiramente suas famílias! Prostituição disfarçada! Fazem o mesmo com os traficantes que, pra eles, muitas vezes são vistos também como heróis…
    O medo é muito grande, por todos os lados, óbvio! Quem vive nesse ambiente tem que se adaptar, de qualquer maneira, para sobreviver… A vida fica banalizada: “hoje tinha um “presunto” lá do lado da minha casa, tia!”, “não dá pra sair da escola e ir pra casa hoje não, porque já mataram uns caras lá em cima hoje”, “ih, aquele, tia? aquele morreu no microondas (tortura onde a pessoa é queimada viva dentro de pneus ou algum “recipiente” grande)!”, “o cara foi otário, tia, porque ele sabia que ia morrer se mexesse com os “caras” lá do morro (e “mexer” pode ser, simplesmente, discordar de algo, discutir, etc.)”, e por aí vai…
    Bala perdida dentro da escola??? Muitas já devem ter ocorrido nessa brasilzão, mas essa foi noticiada.
    Onde vamos parar???????
    Que bom que vc, Declev, escreveu a respeito, pois não podemos, nós também, achar essas notícias “banais” só porque são cada dia mais comuns…
    Um abraço,
    Regina.

    Resposta
  • 18/07/2010 em 20:42
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    São minhas as suas palavras. As tristezas, também, que acumulamos por esses descaminhos da educação.

    Resposta
  • 21/07/2010 em 06:06
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    Declev, olá !

    Talvez, quem sabe, você possa falar com a Marina para ela tratar do “meio-ambiente” aqui do Rio !

    Falando sério:

    ? ” E, detalhe – acho que nunca falaram pra vocês – é a polícia que tem que tomar cuidado pra ninguém se atingido!!! Inclusive o bandido, que tem que ser preso, não morto! ”

    ? ” Acho que a melhor forma de acabar com a violência no Rio seria desarmar a polícia… ”

    Então o Cara, sai da toca, espumando terror, “armado até nos dentes” e pronto para atirar no primeiro que ” mexa com ele “, e no seu ” trabalho de rua”, depara com a polícia ” desarmada”, o que vai acontecer, hem ?

    O brasileiro é macaquinho de imitação, não é mesmo ?
    Então por que não segue o exemplo do USA , onde o Xerife ordena ficar parado e se o Cara piscar muito o olho, é “eliminado” – com tudo filmado oficialmente !

    O que tem que ocorrer, é uma ação poderosa e abrangente, do Serviço de Inteligência, objetivando “pacificar” através dos Atiradores de Elite !
    Quem mata, se reage, tem mais é que morrer! Pronto, falei.

    O que não admito é a “Autoridade”, publicamente afirmar que é inviável, economicamente e tecnicamente, a Blindagem das salas de aula !
    Gostaria muito de saber se o filho dele estivesse estudando lá, o que seria declarado ?

    Quer dizer que é inviável colocar Janelas Blindadas para proteger os estudantes e tornar o “ambiente” apropriado ao ensinamento ?

    Tudo isso é, em si, questão política e fim de papo !

    Abraços à todos !
    Somel Serip.
    Gerente Geral CNBVN ? Coordenador

    Resposta

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