Uma dia qualquer, uma aula qualquer e as impressões de quem deve ser o culpado pela má educação

Uma dia qualquer, uma aula qualquer e as impressões de quem deve ser o culpado pela má educação

A educação vai mal, sabemos.

Recentemente escrevi sobre o fato de que é o aluno que aprende, ao professor cabe a facilitação e direcionamento da aprendizagem.

Mas, vejamos como pode ser uma aula de ciências e seu não aproveitamento…

Entro em sala, eles não calam a boca.

Quem sou eu, afinal? Por que eles calariam?

Após 10 minutos, as conversas continuam como se estivessem no recreio.

Eu, sentado, em frente ao diário, esperando a chance de fazer a chamada.

Deixo o tempo passar, esperando que se deem conta de minha presença e o fato de a aula já ter começado.

Se eu não grito, eles não escutam os próprios nomes. Tenho, realmente, que gritar para fazer a chamada?

Palavrões são ouvidos, aos berros, de vez em quando.

Insisto e faço a chamada mesmo assim.

Repito cada nome duas ou três vezes, para que ouçam. Alguns, mesmo assim não ouvem e os próprios alunos tratam de gritar o nome deles, afim de que escutem.

Enquanto tento fazer a chamada, bolas de papel voam, como bolas de fogo lançadas de catapultas inimigas.

Não, ao menos não sou o alvo.

Não há um minuto de silêncio e já se passaram 22 minutos.

Não estou a fim de gritar mais.

Conto 33 alunos, em uma sala de 30 metros quadrados. É porque faltaram 8; a turma tem 40.

As fileiras das carteiras são dispostas duas juntas, encostadas numa das paredes, três juntas no meio e duas juntas na outra parede, ficando dois corredores.

Não há espaço suficiente para separá-las.

Ao conseguir terminar a chamada, 30 minutos depois do início, as bolas que voam já se contam pelos dedos de duas mãos.

Seguindo a teoria inexorável da laranja podre, os melhores alunos entram na guerra de bolas de papel.

A sala se encontra imunda.

Vejo que tenho duas opções:

a) levantar e me estressar, gritar, mandar calar a boca, brigar, fazer mal a minha saúde e tentar fazer alguma coisa;

b) ficar sentado esperando o tempo passar.

Tentar explicar algo seria suicídio.

Dar aulas “diferenciadas” com 33 adolescentes numa sala de 30 m² em calor insuportável, seria suicídio.

Tento uma 3ª opção: levanto-me e, sem dizer palavra, escrevo linhas no quadro, sobre o tema da aula.

Faria sentido se eles quisessem mais do que brigar uns com os outros. Mas não faz.

Após o 1º parágrafo – sem exagero, parágrafo pequeno – eu já escuto “ai, professor, chega!”, reclamando que estou passando “muita matéria”.

Após o segundo parágrafo, outras manifestações.

Após o terceiro, paro e espero que terminem de copiar.

Toca o sinal e tenho que ir para outra sala, tentar a sorte mais uma vez.

Quem sabe a outra turma quer aprender algo, trocar alguma experiência comigo?

Abraços,

Declev Reynier Dib-Ferreira
De vez em quando, professor

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No Diário do Professor você encontra artigos e links sobre o dia-a-dia da Educação:

Planos de aula, Atividades, Práticas, Projetos, Livros, Cursos, Maquetes, Meio Ambiente… e muito mais!

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Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

5 thoughts on “Uma dia qualquer, uma aula qualquer e as impressões de quem deve ser o culpado pela má educação

  • 16/11/2011 em 07:26
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    E com essa descrição da sua aula, ainda corre o risco de algum idiota entender que você tá “ganhando sem trabalhar” ou “finge que trabalha para receber’. Realmente é dura a vida de professor . Parabéns pelo blog.

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    • 16/11/2011 em 09:16
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      É Mardonio, tens razão.

      Mas espero que entendam que descrevi UMA aula, não meu trabalho, meu estilo de trabalho, meu dia a dia, todas as turmas, todos os alunos…

      Espero que entendam que quis descrever os leões que temos que matar diariamente para fazer um bom trabalho.

      Mas nem sempre estamos fortes o suficiente para matá-los.

      Abraços,

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  • 16/11/2011 em 19:10
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    Professor Declev,
    Realmente a situação precisa de alterações. Será que algumas mídias que manipulam as pessoas poderiam ajudar? Os jovens ficam em um “pique” endoidecido e creio que o que eles recebem das mídias que impõe comportamentos tem muito a ver com o comportamento na sala de aula.
    Em experiências nos C.E.U.s da prefeitura de São Paulo, em uma situação assim chegava de igual com eles e perguntava: – olha aí a questão do desperdício de papel?, e todo o discurso que acompanha isso. e levavá-os ao corredor de onde se avista o rio que passa pelo bairro e perguntava: quem toma banho de praia; cachoeira; rio? tentava trazê-los para a realidade. mas o serviço é grande … repetir milhares de vezes muitas coisas…

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  • 18/11/2011 em 00:31
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    Declev,isso é tão,mas tão triste que me levou ao “burn-out” e à depressão.Eu tenho pesadelos com escola nos quais eu sou humilhado ou agredido e olha que estou afastado há 2 anos e meio!E não pretendo voltar:vou continuar fazendo e estudando música,que é o que eu amo fazer.Abraço e boa sorte.

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  • 21/11/2011 em 18:48
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    Olá, Declev!
    Olhei três vezes o autor para me certificar se eu não tinha escrito esse texto… rs Você descreveu minha rotina com algumas turmas do município! Parabéns pelos escritos sempre muito coerentes.
    Abraço!

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