7º ano e não sabe como usar e organizar um caderno. Culpa do professor, claro.

7º ano e não sabe como usar e organizar um caderno. Culpa do professor, claro.

7º ano.

Passo um trabalho do livro, com perguntas, exercícios, práticas a serem feitas.

– Professor, copiei – chega-me um aluno à mesa.

Dou uma olhada e tem uma página toda escrita à lápis, sem pular linha, quase ilegível.

– Você fez as práticas? Respondeu?.

– Não… copiei.

– Cadê o exercício anterior, da outra aula? Você fez aquele quadro para as anotações das observações?

– Que quadro?

– … [respiro fundo]. Esse quadro – mostro no livro.

– Ah… fiz, quer dizer, tá no caderno do fulano, do meu grupo, mas eu tenho, não sei, tá aqui… – abre o caderno, folheia-o.

Percebo que o caderno tem um parágrafo escrito em uma folha, outra em branco, uma folha escrita um parágrafo, outra em branco.

Pego o caderno para ver. Ao procurar a outra aula, percebo que as matérias estão todas misturadas: uma página com Português, outra em branco, outra com Matemática, outra em branco, outra com Geografia

– Cadê a matéria de Ciências??

– Eu não tenho…

– Como não tem? Cadê a parte de Ciências?

– Eu não tenho separação…

– Como não?

– Eu coloco tudo junto.

– … [vontade de morrer] Você está no 7º ano, nunca te ensinaram que você tem que ter uma parte do caderno pra cada matéria? Assim, como você vai achar a matéria pra continuar o trabalho, pra estudar?

– … [cabeça abaixada movimenta-se timidamente dizendo não].

– Você tem outro caderno?

– Tenho.

– Pega ele lá.

– Não está aqui, está em casa. Minha mãe falou que só quando acabar esse aqui. Já está acabando.

– Ela não vê que você mistura tudo?

– Vê

– E ela não fala nada?

– … não..

– … [Meodeus, penso] Olha só, pegue esta folha, faça a aula 3 (a anterior), perguntas a caneta, pula linha, respostas a lápis. Depois traz o outro caderno [este estava acabando] e a gente cola esta folha lá, depois de separar uma parte pra Ciências. Pegue este material para fazer a parte prática, aqui o livro explica como você deve fazer, leia o livro, faça a prática, escreva as observações e as respostas. Se tiver dúvida, me chame.

O aluno vai para sua mesa com os materiais.

– Professor – me chama logo assim que senta.

– Tem uma caneta pra emprestar?

Estamos em outubro, último bimestre.

Como este aluno chega até aqui com um caderno assim? Eu sempre dou visto nas atividades, eles sempre trabalham em grupo, um ajuda o outro.

Pelo visto, dei visto nas atividades, mas não percebi que o caderno estava todo misturado, e o mesmo deve ter ocorrido com os outros professores.

Só porque tenho, nessa escola, 4 turmas com 35-40 alunos ou mais? Só porque tenho que arrumar a sala antes e depois de cada aula, considerando que as aulas são absolutamente coladas umas nas outras? Só porque tenho que ver sozinho um monte de materiais para as práticas robotizadas que o grande sistema pedagógico revolucionário milionário da sangari me obriga? Só porque tenho que ficar tomando conta de um monte de alunos que fazem bagunça em sala? Só porque tenho agora que me adaptar a um sistema de diário virtual sem ter nem mesmo internet em sala? Só porque tenho que corrigir, olhar, responder, analisar, arrumar, dar bronca, conversar, tirar dúvidas, avaliar coisas de 35-40 alunos por aula? Só porque cada aluno é um mundo e eu tenho uns 150 nesta escola?

E os grandiosos gestores da educação acham que ser professor é como um trabalho burocrático qualquer e que, por isso, podem contrata-lo por 40 horas e cobrar exatas 40 horas, com mais de 30 em sala de aula; podem simplesmente muda-los de escola a seu bel prazer; podem mudar todo o sistema de uma hora pra outra e os professores que se virem; podem inventar dezenas de “projetos” e os professores que se enquadrem!

Mas, sobre isso, esmiuçarei mais em outro artigo.

Abraços,

Declev Reynier Dib-Ferreira
Operário

Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

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