Estou na escola, em horário de almoço / intervalo / hora vaga.
Assistimos pela televisão o ocorrido na escola de Realengo: ex-aluno entra na escola e atira à esmo, matando mais de uma dezena de alunos.
São tantas coisas que passam pela cabeça dos professores nesta hora… a minha fervilha.
Buscamos, inevitamvelmente, nós e todos, uma explicação. Mas não sei se há uma explicação racional e definitiva.
O ato deve ter sido cozinhado há anos, deve ter crescido dentro dele como as camadas de uma cebola. Acontecimentos e acontecimentos foram se somando, ano após ano, até o ápice.
A tragédia do ônibus 174 também foi assim: sabe-se que o rapaz – o qual não matou a refém, mas que foi morto por asfixia pela polícia dentro do camburão depois de ter sido dominado e preso – era sobrevivente da chacina da Candelária.
Violência gera violência. Há quase um século, Gandhi já demonstrou a força da força contrária: da não-violência.
Mas ainda não aprendemos a lição.
O governador, com sua verborragia de costume, classificou o assassino de “animal”.
Coitados dos animais (que não os seres humanos, pois também somos animais), que não fazem este tipo de coisa.
Mas o garoto, com certeza, teve suas razões pra fazer tal loucura, visto que não foi à toa nem do nada.
E era um ex-aluno da escola. Quantos ainda estão dentro das escolas que podem vir, um dia, a praticar atos desta natureza?
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É sintomático que este tipo de ação ocorra em escolas. É comum nos Estados Unidos – país belicoso, armamentista, que quase cultua armas. Mas no Brasil não é; ou não era.
Mas, por que nas escolas?
Por que não abrem fogo nas assembléias legislativas, nas delegacias, no congresso, no senado, nos juizados, nas repartições públicas, nas bocas de fumo… locais em que a sociedade é constantemente vítima de agressão (não física, mas agressão)?
Porque é nas escolas que as pessoas vivem, que convivem, que fazem amigos e inimigos, que têm ilusões, desilusões e esperanças, que aprendem ou não aprendem, que passam ou não passam, que têm sucesso ou insucesso, que acumulam amor, amizades, raivas e ódios…
É a escola que marca a vida das pessoas, para o bem ou para o mal.
Mas o que a sociedade e o Estado (não somente a escola) fazem, de fato, para evitar um possível acontecimento futuro?
Com certeza a cultura da violência, em grande parte aprofundada e cultuada pelo próprio Estado, colabora com as razões dos acontecimetnos.
Quando a polícia – o Estado – entra nas favelas com o pé na porta e a palma da mão no rosto (como já ouvi muitos relatos), colabora com as razões dos acontecimentos.
Quando as “balas perdidas” são achadas nas cabeças e corações dos cidadãos, muitas vezes saídas das armas da polícia – aquela que deveria impedir que isso aconteça, o Estado colabora com as razões dos acontecimentos.
Quando a escola é desmantelada; os professores são subjugados; aos alunos tudo é dado e permitido, nada cobrado, educado e exigido; às empresas e instituições particulares é entregue o dinheiro da educação… os gestores públicos colaboram intensamente com as razões dos acontecimentos.
É preciso construir uma cultura de paz e desfazer a cultura da violência, injustiça e impunidade.
Isso equivale a instituir uma política de segurança que integre uma polícia decente e de paz, e não matadora e assassina como é hoje. Afinal, uma “Unidade de Polícia Pacificadora (UPP)” somente em alguns lugares, significa que em todos os outros lugares, a polícia NÃO É pacificadora, certo?
Isso equivale a um empenho em se instituir uma justiça verdadeira, que não fique à mercê de inúmeros recursos só disponíveis a quem tem prestígio e dinheiro, soltando ricos e famosos endinheirados e sendo implacável com os pobres ladrões pé-de-chinelo.
Isso equivale a instituir uma escola realmente de qualidade, realmente pública, realmente para todos. Uma escola em que os professores são capazes e têm a oportunidade de colocar em prática o que sabem fazer, que possam utilizar seu tempo para a escola (e não ficar acumulando empregos), que sejam bem remunerados para isso.
Já escrevi inúmeras vezes aqui neste espaço sobre essas qualidades que a escola tem que ter, essas possibilidades que os professores têm que ter, essas mudanças que a escola tem que sofrer para poder dar conta do que se espera: a formação de cidadãos.
Mas os gestores só querem implantar projetos, projetinhos e projetões inócuos, na maioria das vezes destinando a instituições particulares “parceiras” uma soma inimaginável de recursos da educação, ao invés de se fazer as mudanças estruturais fundamentais – e que sejam atemporais – de que as escolas necessitam.
E, com isso, colaboram intensamente com as razões dos acontecimentos.
Abraços,
Declev Reynier Dib-Ferreira
Profundamente triste
Profº e amigo Declev, faço de suas palavras as minhas… isto de hoje foi a última gota que explodiu, ou quem sabe a 2ª, de uma tragédia já anunciada… é este sistema… e no final vão por a culpa em nós, os professores… aguardemos as cenas dos próximos capítulos… comparto com todos essa dor… Cassiana
Não duvido Cassiana, não duvido que achem uma ligação entre o ocorrido e uma reprovação, culpa do professsor….
Declev, por favor envia este artigo pra presidente enquanto há lagrima por seus brasileirinhos
eu acredito no homem, nos existimos. Tens o meu respeito, tens o brado de liberdade que precisa ser soado
Obrigado, Keila,
Eu até gostaria de enviar, mas acho que não vai querer ler…
Abraços,
Querido Declev,
Escrevi sobre isso para os amigos ontem, postei no meu blog e gostaria que ficasse postado também aqui. Aí vai:
Tragédia anunciada: matança DENTRO da escola, aqui no Rio!
Amigos,
É isso: tragédia anunciada.
Mais uma.
Em todos os sentidos.
E de tudo que podemos pensar e sentir diante desse horror de hoje, dessa chacina na escola pública de Realengo, infelizmente uma coisa não me vem: surpresa.
Porque o que aconteceu hoje é só mais um capítulo do ABANDONO, em todos os sentidos, com o qual as crianças, os adolescentes e os profissionais das escolas, principalmente das públicas, têm que lidar há muito tempo, diariamente.
O assassino era ex-aluno da escola? Excessivamente introvertido? Filho de mãe esquizofrênica e suicida? E que andava parado em frente a escola há meses, olhando, olhando, além de tudo que dizia para os parentes sobre seu desejo de, por exemplo, derrubar algo com aviões, como fizeram nos EUA? Enfim… Tantos sinais, há tantos anos e NUNCA um tratamento médico adequado, um encaminhamento adequado da escola e/ou da família, o mesmo empurra-empurra de sempre, cada qual sempre achando que fez a sua parte e, enquanto isso, esse rapaz adoecendo mais e mais a cada dia, até causar essa tragédia…
É com esse descaso que tanto a Saúde quanto a Educação Públicas são tratadas politicamente em nosso país!
E aí, quando algo horrível assim acontece, tentam vender a idéia de que foi fato isolado, uma infelicidade, um caso de doença mental (realmente é, também, mas o indivíduo poderia ter sido tratado e, assim, até evitado chegar a esse ponto!) ou de pura maldade individual, etc. e tal.
Mas foi muito mais do que isso!!!!!
Foi fruto, repito, do descaso político que não oferece condições mínimas e decentes para que se possa fazer um trabalho digno nas escolas e hospitais públicos.
Foi fruto da ignorância, do despreparo e do preconceito que impediu que todos que conviveram com esse futuro assassino, durante toda a sua vida, vissem algum sinal de perigo, de alerta, de necessidade urgente de cuidados especiais…
Foi fruto do fanatismo religioso, que é tão presente em tantas religiões e pessoas, que estimulam e difundem essa idéia de dividir as pessoas em “puras” ou “impuras”, “castas” ou “perdidas”, em pleno século XXI!!!!!! Não foi à toa que ele matou mais meninas do que meninos!! Não acredito que isso tenha sido “coincidência”. Até porque ele é descrito, por parentes e vizinhos, como muito tímido e como alguém que nunca teve namorada. Então…
Trabalhando em escolas, cansei de ouvir, durante anos, muita gente dizendo o quanto essas meninas de hoje, justamente essas da idade das que ele matou, estão “atiradas” demais, “galinhas”, seduzindo o tempo todo, “safadas”, “vagabundas”, etc. Perdi as contas de quantas vezes ouvi isso, inclusive em reuniões pedagógicas, com todos os profissionais das escolas ali, a maioria vendo as coisas dessa maneira! Um machismo fora de época, alimentado pela ainda tão presente violência contra a mulher, muitas vezes alimentada pelas próprias mulheres!
Não tenho a pretensão de traçar um quadro completo de nada. Estou sob a emoção do que aconteceu, podiam ter sido alunos com os quais convivi, podiam ser as famílias que conheci que estivessem agora desesperadas, enterrando seus filhos e netos, enfim…
O povo está abandonado!!!! Os educadores e os profissionais da Saúde TAMBÉM, em grande parte, e, assim, não têm como dar conta de todo esse contexto sem uma política decente, sem verbas (e como elas são desviadas nas áreas de Educação e Saúde, meu Deus!), sem um Serviço Social também com estrutura para ajudar a lidar com as famílias, isto é, sem um trabalho conjunto entre Saúde, Educação e Assistência Social nesse país!
As escolas têm turmas lotadas, mal refrigeradas (super calorentas, em geral!) e mal iluminadas, faltam materiais didáticos básicos, faltam profissionais, um segmento acusa o ou os outros o tempo todo – famílias, professores, alunos, direção, pedagogos, funcionários… todos os segmentos! -, o estresse é geral, assim como o cansaço, e o clima de guerra é constante e volta e meia explode, de alguma forma, aqui e ali. Cada hora é um que agride o outro, que perde a paciência, o respeito… Acontecem ameaças, intimidações, xingamentos… Não vejo “vilões” na maioria dessas agressões (não estou dizendo que são “coitadinhos” também! não é isso!!) e sim atitudes que são frutos de uma estrutura falida e de uma perversidade política antiga em nosso país, onde continua interessando aos mais ricos que os mais pobres venham a ser, um dia, no máximo, mão-de-obra barata! E olhe lá!
E, pra que isso possa se perpetuar, não há interesse em realmente se investir em Saúde e Educação, é claro!
Como pedagoga encaminhei para tratamento crianças e adolescentes com sérios problemas psicológicos e/ou psiquiátricos muitas vezes, mas, na imensa maioria dos casos, nada acontecia e, mesmno dentro da própria escola, alguns alunos já iam ficando marcados, não só pelos coleguinhas, desde crianças, como meio “malucos” ou qualquer coisa assim. Suas identidades iam sendo construídas dessa maneira. Em casa e na escola. E, nos casos em que as famílias realmente se empenhavam em levar os alunos que encaminhávamos (eu e as outras pedagogas), muitas vezes não conseguiam vagas, horários, eram mal atendidas, os locais de atendimento eram muito longe e elas não tinham nem como pagar passagens para ir ao menos quinzenalmente lá, as crianças e adolescentes também não queriam ir pra não serem considerados definitivamente como “malucos” por todos com quem conviviam e, assim, as famílias acabavam parando de levá-los.
E o Conselho Tutelar? Quantos casos de violência, física e psicológica, negligência, situações de risco, etc., nós relatamos, encaminhamos, denunciamos e pedimos ajuda e… nada! Na maioria das vezes, nada é feito.
E olha que esses são só alguns poucos exemplos de um quadro que é cada dia mais terrível e que faz com que quem trabalha nessas áreas, como eu, nos sintamos cada vez mais impotentes e machucados.
Enfim… Existe muito a se pensar e sentir sobre tudo isso, sobre esse drama terrível de Realengo, sobre a total falta de segurança e abandono das escolas e hospitais públicos, sobre as doenças mentais mal diagnosticadas e mal tratadas e que ainda são vistas com tanta ignorância e preconceito, sobre a importância de se levar a sério o bullying, sobre a importância de se observar mais o aluno calado demais porque pode ser justamente o que mais está precisando de atenção e ajuda e a ponto de explodir a qualquer momento (mas como os quietinhos “não dão trabalho” e as turmas são lotadas… eles acabam nem sendo percebidos direito…), sobre os profissionais de Educação e Saúde com Síndrome de Burnout e “n” outras doenças, somatizações, vindas do estresse, do medo, da baixa auto-estima, da desvalorização de suas profissões que, na verdade, são as mais fundamentais para a construção de uma nação, enfim… LOUCURA É TUDO ISSO JUNTO!!! E/ou é fruto de tudo isso. Falar dessa “loucura” que aconteceu é falar sobre tudo isso junto!
Por isso não me surpreendi com a tragédia de hoje, embora tenha doído muito aqui dentro e embora tenha ficado indignada, com raiva, com pena, solidária àquelas famílias e, principalmente, àquelas crianças e adolescentes… Quanta tristeza, quanta covardia, quanta doença, quanto abandono, quantas vidas tão jovens indo embora assim, violentamente, brutalmente, estupidamente!
Que mundo é esse??? Onde vamos parar???
O que devemos fazer???
Cansada e triste demais com tudo isso…
Regina Milone.
Só mais uma coisa, gente: o rapaz escolheu em quem atirar, segundo os relatos, e não foi nos professores e sim nos alunos.
Pensem sobre isso também, antes de acharem que os professores são as únicas e principais vítimas de todo o descaso político com que a educação pública é tratada em nosso país.
Nesse caso as vítimas foram ALUNOS, crianças e adolescentes!
Um abraço…
http://www.cgceducacao.com.br/canal.php?c=4&a=15413
Marcus,
Fui no seu site, li o seu texto e adorei!!
Me emocionou bastante e quero te parabenizar por ele!!
Vc tocou em pontos que também considero da maior importância.
Um grande abraço pra vc,
Regina.
Pingback: Tragédia anunciada: matança DENTRO da escola, aqui no Rio! | Diário do Professor
Obrigado Regina e Declev. Se puderem, divulguem nos blogs de vcs!
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