Não acredito nesta escola! E você, que escola quer?

Chamaram-me a atenção, semana passada, numa das escolas em que trabalho. Diria, aliás, que foi uma bronca mesmo. Fiquei muito puto da vida dentro deste meu corpinho bem humorado. Deve ser porque é “escola modelo”. Trabalhar em “escola modelo” pode ser bom, mas pode ser… digamos… complicado.

Pra começar, no sentido pretendido, não deveria existir escolas “modelos”. Todas deveriam sê-las. Mas deixo isto para um outro post.

Retornando. Acontece que fui broncado por ter juntado, de última hora, minha turma com a de um professor de história para assistir um filme. Disse a diretora que “não gostou nem um pouco do que viu, e que quando não gosta tem que falar!” Eu, como aprendi – ou estou aprendendo – a calar, quando não gosto de algo, tenho que escrever!

Os seus argumentos foram de que “pareceu” que colocamos nossas turmas – eu e outra professora de ciências – para assistir ao filme com o outro professor por “oportunismo”, que não foi fruto de um planejamento, coisa e tal; que os alunos percebem e se desmotivam, coisa e tal; que cada um deve trabalhar em sua sala, separados, coisa e tal; e que só, só, somente só se for o caso de um planejamento prévio, em conjunto, com introdução objetivos materiais e métodos é que poderíamos fazer algo assim e coisa e tal; que se fizermos um planejamento para aula de ciências, este planejamento não deve ser mudado, coisa e tal; que estamos em época de avaliação, não poderia perder aula, coisa e tal…

E eu, quem me viu, quem me vê, quem não me conhece não pode mais ver pra crer, quem jamais me esquece não pode reconhecer, ao mesmo tempo que aprendi a me calar – manda quem pode obedece quem tem juízo – não consigo ainda disfarçar minha cara de sentimentos impuros.

Vamos aos fatos para que entendas:

Escola à noite, de jovens e adultos. Cada professer tem sua sala, as turmas vão mudando de lugar. A minha sala é a única que tem uma TV com DVD e videocassete, com uma caixa de ferro gradeada, com cadeado, presa à parede.

Veio o professor de história perguntando se teria problema ele passar um filme na minha sala, se eu poderia trocar com ele. Disse que tudo bem e perguntei o nome do filme.

Quase dois irmãos“, disse ele.

Putz! Este filme é uma porrada no estrômbago! Eu o vi com uma grande amiga, a Maruzza. Perguntem a ela, eu chorei adoidado no final do filme. Chorei de desesperança. Chorei de impotência. Chorei de choque de realidade.

Quando ele disse o nome do filme eu disse “só se minha turma puder assistir também!” Claro. E lá fomos nós. Tinha eu 6 alunos em sala. Seis. era uma quinta-feira que na terça foi feriado; a frequência deles já não é das melhores, a sala estava vazia, um ótimo filme para discutir assuntos da realidade deles… formô!

E então, no dia seguinte, fui chamado, por outras palavras, de opostunista… Pois é, aproveitar as oportunidades virou oportunismo!

É por isso que eu não acredito nesta escola – não falo desta especificamente, mas do modelo de escola que temos. Não acredito neste planejamento, nesta avaliação, nestas aulas, neste engessamento, nestas carteiras enfileiradas viradas pra frente, neste quadro-e-giz, nestas apostilas inócuas…

Veja: são adultos. Estão lá pra aprender? Sim, mas o quê? O que é mais importante, eu “ensinar” que ecossistema é uma comunidade biótica constituída por produtores, consumidores e decompositores fincionalmente relacionados entre si e o meio abiótico e todas as suas relações blá blá blá? Que os artrópodes são assim chamados porque têm patas articuladas? Que os seres vivos são classificados em cinco reinos com exceção do vírus? Que o reino Monera… AAAARGH!

Veja, não sou contra os “conteúdos” das disciplinas (embora também esteja mexendo em vespeiro!), mas a forma como é feito. Eles por eles não são nada!

Estas coisas desvinculadas da realidade são um engodo! Garanto, aposto e dobro a aposta que vocês que estão lendo não passariam em uma prova de ciências da 5a série! (se não forem da área, claro). E que não passariam em outras, como geografia, história… Nós não sabemos tudo!

Temos é a capacidade de aprender, de discernir, de discutir, de politizar, de construir, de raciocinar, de buscar informações, de pensar, de conversar, de ler com sentido, de ver sentido, de ouvir atento, de transformar qualquer informação em sentido, de assistir a um filme e fazer disso uma aprendizagem!

O importante é o que o aluno aprende, não o que o professor ensina!!! Então temos que fazê-los aprender – de todas as formas.

Caraca!

A diretora, ao invés de aproveitar o ensejo e direcionar a ação para um projeto, para uma ação em conjunto, para uma construção coletiva… não, cortou a ação! Deu bronca!

“Muito bom gente, e então? o que se pode tirar daí, o que se pode ensinar em ciências, em história? como podemos juntar os dois conhecimentos? como podemos desdobrar este filme em outras ações para que os alunos, ao raciocinarem sobre suas situações de vida e de cidadãos, possam ao mesmo tempo assimilar o conteúdo programático de cada disciplina?”

Não seria bem mais proveitoso para os alunos? Mas não foi.

Depois não se sabe porque tem tanta evasão na escola!

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Dindin:

Não consegui achar o DVD do filme Quase Dois Irmãos, mas quem quiser conhecer outro trabalho da mesma diretora, veja o preço do Brava Gente Brasileira no BuscaPé.

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Na mesma linha:

a) Escola da Ponte

b) Aprender o quê?

c) Desabafo: educação

d) A importância dos gestores inovadores

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Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

8 thoughts on “Não acredito nesta escola! E você, que escola quer?

  • Pingback: Declev via Rec6

  • 28/11/2007 em 16:23
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    Professor Declev, é terrível o que aconteceu contigo. Também trabalho em uma destas “escolas modelos” da vida e parece que a direção entra em paranóia com tudo que acontece ! Também não acredito em conteúdo dado por ser dado. Acho que as oportunidades aparecem e a gente tem que saber aproveitar. Uma vez sai nos arredores da minha escola, que fica em uma região rural do Rio, para observar flores e insetos. Quando voltei com os alunos felizes, a direção me perguntou quando eu ia começar a dar aula . Viva o quadro e giz ! Talvez se eu estivesse com minha turma em sala sem ensinar nada, ninguém teria percebido.

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  • 28/11/2007 em 19:13
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    Olá Prof. Declev! (Que nome hein!)

    O Rubem Alves tem um texto sobre o vestibular que é simplesmente… matador… e me lembrei dele ao ler a sua pergunta: “aposto e dobro a aposta que vocês que estão lendo não passariam em uma prova de ciências da 5a série!

    Segue o mesmo raciocínio, principalmente se levarmos em conta como a prova é feita. No mundo real, em qualquer situação prática, qualquer profissional consultará sua referências e “pensará ” no problema em cima das fontes…

    Do memso modo que *não é* feito na escola…

    Se eu fosse você, apresentaria os argumentos deste texto para a Diretora.

    É uma boa oportunidade de todos pensarmos fora do quadrado! A diretora é tão vítima dessa esquizofrenia da escola quanto nós e nossos alunos!

    Pois acredite, é na crise que avançamos!
    []’s

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  • Pingback: Continuo não acreditando nesta escola! E você, que escola quer? (2) | Diário do Professor

  • 03/12/2007 em 06:33
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    Olá Professor! Bom dia e obrigada pelo link.
    Pelo pouco tempo (gostaria de ter tido mais) que fui uma educadora, realmente, inovação e projetos ber articulados, juntando os conteúdos aparentemente diferentes eram luco (e que luxo!). Eu sempre acreditei, e acredito, no todo. O todo forma o indivíduo e não uma parte. História e Matemática por exemplo, têm muito em comum. Poucos são os que conseguem (ou têm liberdade) para lecionar o todo.
    Enfim, antes que eu me impolgue no comentário: Ótimo texto! não conhecia o seu blog.
    Agora com a sua licença, vou devorar os outros textos! 🙂

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  • 10/12/2007 em 20:55
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    Adorei o texto, professor!
    Para mim “escola modelo” é a que está aberta para a vida, para o mundo, que incentiva iniciativas como a que vc teve – muito criativa e que poderia trazer um excelente debate depois, claro! -, pois é daí que vem o aprendizado e não das matérias “fixas” dadas no “cuspe e giz” somente.
    Por isso acompanho e gosto muito das escolas ditas de vanguarda que tentam, na prática, terem essa abertura – nem sempre conseguem… – e essa busca que vc também tem. E sonho com o dia (tenho tentado fazer a minha parte pra isso) em que as escolas públicas atuarão assim!
    Parabéns, mais uma vez, pelo seu blog!!

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  • Pingback: Sobre comentário à Carta à Secretária, artigo de Ali Kamel, escola, educação... | Diário do Professor

  • 29/04/2010 em 16:35
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    Eu tb. não acredito nesta escola que temos. Hoje, fui chamada na escola do meu filho, porqué? Porque ele ousou entrar na escola com a camiseta da farda e calça jeans. Fizeram assinar um termo de compromisso que provavelmente virará rascunho, falaram do meu papel de mãe: Converse com seu filho, tem que saber onde ele esta qd. a senhora vai trabalhar, educar é pôr limites, filhos tem que respeitar os pais, etc. etc.
    Tudo o que na teoria é lindo mas que na prática, para um adolescente filho de mae solteira, sub-empregada, tendo que sair todo dia matar um leão para comer,morando de aluguel, com um irmão dependente quimico, ocupando o tempo livre em rodas de fumo e apostas de videogame, não significa nada. Essa é a escola que queremos? A escola de costas à realidade?

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