Esclarecimentos posteriores sobre artigos anteriores

Tive algumas repercussões sobre meu último artigo e é por elas que escrevo o de hoje. Sinto a necessidade de explicar. E sinto se foram pesados demais pra vocês.

Quero em primeiro lugar deixar claro que o que venho sentindo é fruto da minha (quase) desesperança na mudança da educação que tanto almejo e creio necessária.

Não consigo “deixar pra lá” e relaxar. Ir, dar minha aula e dormir em paz. Entrar na escola e na sala de aula como se “sempre foi assim e nunca vai mudar”.

Me recuso. Tem que mudar.

E me recuso a desistir. Eu faço a minha parte, sim (1, 2, 3, 4), mas essa história de “faça a sua parte”, como já falei por aqui, é ótima, mas pra mim é pouco.

Então quando me coloquei como “cobaia”, como o Professor Truman, me coloquei no sentido de demonstrar que mesmo com a percepção que venho tendo da educação, ainda me importo por ela.

E quando me mostro aqui do jeito que me mostro, não é para angariar dós e piedades – dispenso-os –, mas para demonstrar um lado que deve ser respeitado, observado e extremamente cuidado na educação: o do professor e professora.

Pode-se ler-me com o pensamento de que, coitado, “ele” está e sente-se assim. Ou então ler-me com o pensamento de que a “educação” está assim.

Se mostro o que sinto, não se deve achar que sou o único e que mereço compaixão ou decapitação.

Oras, a educação se faz a partir da interação entre o professor e o aluno. Se algo está errado entre ela – e está! – a educação não vai pra frente.

Veja:

Só neste mês de setembro, cerca de 60 professores da rede pública estadual de Campo Mourão se licenciaram para tratamento de saúde. Levantamento (…) mostra que de janeiro a julho desde ano 266 professores se afastaram das salas de aula, a maioria vítimas de doenças psicossomáticas, ligadas ao estresse.

Salas lotadas, número excessivo de aulas por professor e principalmente a indisciplina dos alunos são as principais causas atribuídas aos problemas de saúde. “Infelizmente tem aumentado a indisciplina dos alunos e isso contribui para aumentar os problemas de saúde do professor. Aquele que enfrenta muitos problemas de indisciplina em determinada turma já sai de casa com uma carga de estresse muito grande”, comenta o chefe do NRE, João Luis Conrado.

(…)

“Assim como tem um ou outro que poderia estar trabalhando e pede licença, temos professores tão dedicados que estão trabalhando doentes”, frisa. Ele destaca que alguns estão afastados por doenças crônicas. (FONTE)

Aí, com todos estes problemas, qual a solução que se dá?

Para tentar conter o alto índice de licenças médicas, Conrado diz que a Secretaria Estadual de Educação estuda premiar o professor por assiduidade. Outra medida mais drástica seria fazer com que o tempo de afastamento por licença seja cumprido no fim da carreira do professor. “Sabemos que ele tem direito a licença médica, mas não podemos esquecer do direito do aluno, que não pode ser prejudicado”, comenta o chefe do Núcleo. (IDEM)

Vedes a contradição?

Existe um problema que tem determinadas causas e que gera determinadas consequências. Vamos resolver as causas? Não, vamos sacrificar ainda mais quem é (também) a vítima.

O professor está doente? Ele não serve, é culpa dele. Então desconte-o, não dá “Bônus”, manda embora…

Vamos resolver os problemas que levam os profissionais da educação a este estado? Não.

Sugiro a leitura do texto completo do qual eu retirei a passagem abaixo:

De acordo com o Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio), atualmente 45% desses profissionais estão com problemas de voz, a maioria causada por problemas emocionais, e 50% das licenças médicas no trabalho têm origem em causas psicológicas.

Segundo o presidente do SinproRio, Wanderley Quedo, 30,4% dos professores do Rio tem a Síndrome de Burnout, que é um distúrbio de caráter depressivo (…). (FONTE)

Notícias assim podem ser encontradas com uma busca simples no deus google:

As depressões e as doenças ansiosas figuram entre as principais causas de afastamento por licença médica. É o caso de Luciana Oliveira, de 30 anos. Professora da alfabetização no Gama, ela foi ameaçada por um pai que invadiu a escola para buscar a filha. O incidente ocorreu em junho e ela, desde então, não consegue mais pisar em uma sala de aula. “Estou dormindo à base de remédios e sofro só de pensar em ir para a escola”, afirma. Na semana passada, a professora conseguiu mais um mês de licença médica. (FONTE)

Escola não é linha de montagem!, educação não rima com fordismo!, professores não se substituem como a uma peça quebrada de uma máquina!

Devo me afastar? Não quero. Quero mudar. E isso envolve sofrimento. Só não sofre quem não sente nada. Pra quem tudo “está bom” e quem “não tem nada a ver com isso”.

E enquanto isso, não se deixem enganar pelas minhas escritas pessimistas: eu continuo trabalhando!, continuo desenvolvendo atividades e práticas interessantes, continuo ensinando, continuo me importando com os alunos, continuo me superando.

Meus próximos artigos serão com as atividades que venho desenvolvendo com os alunos.

Aguardem.

Declev Reynier Dib-Ferreira

Professor.

Declev Dib-Ferreira

Declev Reynier Dib-Ferreira sou eu, professor, biólogo, educador ambiental, especialista em EA pela UERJ, mestre em Ciência Ambiental pela UFF, doutorando em Meio Ambiente pela UERJ. Atuo como professor na rede municipal de educação do Rio de Janeiro e também na Fundação Municipal de Educação de Niterói (FME), no Núcleo de Educação Ambiental (NEA). Sou coordenador de educação da OSCIP Instituto Baía de Guanabara (IBG) e membro/facilitador da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ)... ufa! Fiz este blog para divulgar minhas idéias, e achei que seria um bom espaço para aqueles que quisessem fazer o mesmo, dentro das temáticas educação, educação ambiental e meio ambiente. Fiz outro blog, com textos literários (http://hebdomadario.com), no qual abro o mesmo espaço. Divirtam-se.

8 thoughts on “Esclarecimentos posteriores sobre artigos anteriores

  • 02/11/2009 em 17:30
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    Caro Declev,
    Também me recuso a achar “normal” a situação da Educação hoje (e não é só no Brasil não). Também não me acomodo, também luto, também tento, diariamente, da forma que consigo, construir alguma mudança com aqueles que também se dispoem a isso.
    Mas lembro a todos, mais uma vez, que o estresse que vc citou é dos profissionais de Educação e não só dos professores. Sou pedagoga, como vc sabe, e também já entrei em depressão, já tive que tirar algumas licenças médicas, tenho doenças psicossomáticas toda hora (semana passada, por exemplo, nem pude ir trabalhar por causa disso), faço terapia, etc. E não sou nenhuma coitadinha por causa de tudo isso. Mas sofro pra caramba por trabalhar em Educação atualmente sim!
    As questões que vc citou são minhas conhecidas, portanto.
    Eu admiro muito vc, Declev, a partir do que já pude conhecer do seu trabalho, idéias e sentimentos aqui pelo blog, repasso artigos seus pros amigos, reflito a partir deles, me mobilizo e te garanto que eu não achei pesado o seu artigo anterior e sim, mais uma vez, corajoso e realista. Mas acho que mostra UMA PARTE da realidade. Importante sim, mas apenas uma parte. Por isso, procuro colaborar ampliando o debate, trazendo o lado dos alunos e de suas famílias, por exemplo.
    Há problemas na relação professor-aluno? Sim, mas isso não é de hoje e nem é só aqui. Na verdade, essa relação é a que mais sai prejudicada, em consequência dos absurdos diários dos políticos e das políticas públicas, no caso do nosso país. Mas, em outros lugares, onde lidar com uma imensa diversidade cultural nas escolas também tem sido super difícil e desgastante – vide a realidade mostrada no filme francês “Entre os muros da escola”, por exemplo -, essa relação também tem andado mal das pernas.
    Portanto a questão é ampla. Estamos em 2009. A Educação formal acompanhou muito pouco ou quase nada das mudanças que aconteceram no mundo nas últimas décadas e, também por isso, hoje tem que lidar com um desinteresse e agressividade cada vez maiores dos alunos.
    Enfim… São muitos os aspectos, muitas as variáveis, não são só os professores que estão sofrendo com tudo isso.
    Como psicóloga (não sei até quando ainda vou insistir em manter, de forma dedicada – de outra forma não seria eu -, duas profissões…), preciso também lembrar a todos que certas síndromes, além da depressão e dos transtornos de ansiedade, são cada vez mais comuns nos tempos que estamos vivendo, infelizmente, e garanto que não só entre os professores e que, na verdade, elas sempre são originadas por várias causas e não por uma só.
    Quanto a essa “solução” de premiar o professor assíduo e, de certa forma, punir o faltoso (fica mal falado, com má fama, passa a ser menos respeitado, etc.), concordo 100% com vc: é um absurdo total!!!! É uma sacanagem, é uma distorção, é tão cruel e injusto quanto quando é feito com o aluno. É uma tentativa apenas comportamental de criar condicionamentos e de não se aprofundar nas causas e nas verdadeiras soluções de nada!! Fico revoltada com isso também, pois os profissionais da área estão adoecendo sim, cada vez mais, e isso não se resolve com “recompensas” ou “castigos”. Nem animais, hoje em dia, são “adestrados” apenas através de condicionamentos!!! Imagine agir assim com seres humanos! Tudo isso é terrivelmente injusto e absurdo realmente.
    Bem… Vou continuar compartilhando seus artigos com minhas listas de amigos, assim como as reflexões que eles me provocam, ok?
    E continuo te desejando toda a força, saúde e coragem possíveis nesse caminho!
    Um grande beijo,
    Regina.

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  • 04/11/2009 em 19:21
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    Oi Declev,
    Muito bom texto! Além de elucidativo, coloca a discussão onde ela deve ser colocada: Na fragilidade do sistema educacional e as consaquências dessa fragilidade. Na falta de soluções decentes para se resolver questões importantes como iletramento, repetência, desinteresse, frequência, etc, aponta-se para a premiação por frequência e por resultados. Há um tempo atrás, não me lembro bem em que ano, o prefeito tentou usar desse artifício: pagar um abono aos professores que alcançassem uma determinada meta. Só que naquele momento os professores decidiram não aceitar esse tipo de premiação e essa proposta não foi levada adiante. Por isso, acho importante o debate em todos os espaços e a divulgação de todas as opiniões e idéias que estão norteando nossos trabalhos em sala de aula. Cria-se uma corrente que nos fortalece e, em última instância, nos coloca em condições mais favoráveis nas negociações em busca de melhores condições de e no trabalho.
    Um abraço, Dirce.

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  • 05/11/2009 em 07:41
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    Concordo com a Dirce em relação a importância do debate aberto a TODAS as opiniões, idéias e experiências. Realmente acho que cria uma corrente que nos fortalece.
    Só queria acrescentar, quando ela diz “…coloca a discussão onde ela deve ser colocada: Na fragilidade do sistema educacional e as consaquências dessa fragilidade”, que não esqueçamos das CAUSAS dessa fragilidade, para que possamos agir com mais consciência, na busca de novos conhecimentos e na CONSTRUÇÃO (porque prontas não encontraremos nenhuma) dessas soluções.
    Um abraço,
    Regina.

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  • 05/11/2009 em 08:08
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    Concordo com Dirce em relação a importância do debate aberto a TODAS as idéias, opiniões e experiências, mas lembro que compreendermos melhor as CAUSAS é tão ou mais importante do que apenas apontar a fragilidade e as consequências dessa fragilidade do sistema educacional.
    Trocar idéias sempre fortalece, principalmente quando aproveitamos para fazer o saudável exercício de nos colocarmos realmente no lugar no outro, ouvindo-o verdadeiramente, sem já querer encaixá-lo nesse ou naquele rótulo, para ampliarmos nossa visão e compreensão das coisas.
    E esse absurdo de “premiar” ou “punir” professores e alunos, repito, deve ser denunciado sim! Por isso, aplaudo o Declev, mais uma vez.
    Um abraço,
    Regina.

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  • 05/11/2009 em 21:11
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    É claro que é um absurdo! Por isso coloquei em um comentário anterior a importância da discussão e da união. E, mesmo reconhecendo precário, o papel do sindicato. Quando falei que, em outro momento, a proposta da premiação não foi adiante, foi exatamente porque os professores estavam mais organizados e puderam dizer não. Hoje, ainda não conseguimos essa força. Daí a importância da discussão e da divulgação de todas as informações e debates. A rede na internet tem sido grande. Temos muitos grupos que passam as informações rapidamente, o que propicia uma boa visão do que anda acontecendo nas escolas. Está faltando apenas, e isto é mais difícil, transformar as opiniões em ação.
    Estamos caminhando…
    Um abraço, Dirce.

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  • 05/11/2009 em 21:22
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    Ah, bom o trabalho desenvolvido com a sua turma lá no Rio. A agitação fica por conta da diversidade de temas. De vez em quando faço isso: temas diferentes pra grupos diferentes. É mais difícil porque você tem que responder às diversas questões que surgem. `Por outro lado, eles querem saber como anda o trabalho do outro grupo. Isso gera uma certa confusão. Confusão saudável. Eu gosto. No final é realmente gratificante.
    Você faria uma palestra para os meus alunos do 7° ano? Eles estão desenvolvendo um projeto de horta para uma pequena área lá da escola. Que tal, topas?
    Dirce.

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  • 05/11/2009 em 22:36
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    Eu entendi seu comentário, Dirce. Só quis reforçá-lo, concordando.
    Recentemente fui representar a minha escola na CONFEDUC e, depois, na CONFEINTER, lá em Duque de Caxias, onde trabalho. Esse tema de “premiar” os professores, com as intenções que o Declev já colocou super bem aqui, surgiu várias vezes lá e todos fomos contra, votando pela retirada de qualquer proposta desse tipo no documento que encaminharemos para a CONAE do ano que vem. As pessoas estão bastante conscientes e unidas em relação a esse tema, pelo que pude acompanhar lá. É ou não é uma boa notícia?!!
    Um abraço,
    Regina.

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  • 06/11/2009 em 21:17
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    É uma ótima notícia Regina!
    Um abrço,
    Dirce.

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